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TharnType e a falsa polêmica: a banalização do assédio e abuso sexual em relações tóxicas
Para além da moralidade — e não pretendo ser um juiz para condenar o absurdo que foi essa série, mas já sendo — e para além da perspectiva de “certo e errado” na ficção ou na realidade, apenas três coisas se destacaram em TharnType:1 — A normalização do abuso sexual e do ciúmes tóxico.
2 — A romantização da posse. O “objeto” de apreciação para a ser o “objeto dominado”. Ou seja: a posse assume seu caráter de relação entre um sujeito (Type) que pode ser variável e um objeto (Tharn) que é ou apreciado ou desprezado, ora um é o sujeito, ora outro objeto, que em alguns momentos assumem posições opostas, mas que refletem a mesma coisa.
3 — A incapacidade da obra de trazer a discussão de abuso/assédio de forma crível. Pelo contrário, ela de forma objetiva aborda o tema: > Type sofre abuso por parte de Tharn > Tharn assedia Type > Type passa a ser objeto de apreciação de Tharn > Tharn passa a ser objeto de preconceito de Type. E no final não leva a lugar nenhum, pelo contrário, diretamente — e sem medo de afirmar isto — ela incentiva a relação tóxica de ambos como um amor avassalador que domina a vontade de ambos.
E como se tudo fosse normal, como se esses não fossem tema sensíveis e delicados, ela abandona qualquer intenção de abordar de forma crítica estes temas para desenvolver uma relação extremamente inverossímil, tóxica e que se sustenta apenas por um único motivo — e que está longe de ser um bom motivo — , é apenas o fanservice. A única coisa que é verossímil na obra e que ela se compromete em realizar com tamanho afinco é apenas isto: fanservice. Se ela gastasse metade da capacidade tem para criar essa quantidade gigante de fanservice para criar um roteiro minimamente aprazível, o show seria ao menos digno de pena. Isso nem ao menos pode ser digno de algo fora o desprezo.
Para além da mediocridade roteirística que é este show de horrores, ela não consegue acertar nem mesmo em seus próprios dilemas criados ao longo do desenvolvimento de seus temas e personagens. Ela se nega a resolver os problemas que criou, se nega a solucioná-los, mas em contrapartida, os aceita como são: problemáticos. E ao se negar a solucionar aquilo que ousou criar, não se difere em nada do abandono. Suas criações são descartadas em cada “changepoint” em que se encontra, e para resolver seus problemas que anteriormente foram inseridos sem ter que lidar com as problemáticas que eles acarretam a série apela para o drama excessivo que não convence. Pelo contrário, suas tentativas de criar plot twist e solucionar problemas são risíveis.
Estes problemas começam justamente no cerne da obra, aqueles que são responsáveis por controlar a narrativa: os personagens. Se existe palavra para definir de forma sucinta 90% dos personagens da série essa palavra seria “execrável”.
THARN: é um personagem carismático e bonito que não consegue manter suas relações. Ele é atraente e amado por muitas pessoas por sua boa aparência e por sua personalidade agradável e “abnegada”. Por algum motivo um garoto quase perfeito não consegue manter seus namorados. (Posteriormente se descobre que ele sempre é abandonado por seus namorados por causa das mentiras que seu melhor amigo conta sobre ele para seus pretendentes na intenção de afastá-los de Tharn para que ele o tenha para si). Porém, ele um dia se encontra em um dormitório onde terá que dividir o quarto com um homofóbico que simplesmente o rejeita por odiar gays, porém, a verdade é que Type é um lixo humano ambulante.
TYPE: um garoto bonito do time de futebol que gosta de mulheres em uma primeira instância, odeia gays por um trauma passado (tema completamente descartado pela série e não trabalhado, usado apenas como apelo emocional para justificar o lixo ambulante que é o Type) passa a dividir o dormitório com Tharn a quem odeia quando descobre que ele é gay. Ele é possessivo e completamente irracional. Passa a gostar de Tharn e decide namorar com ele, mesmo sendo homofóbico e ignorando que odiava gays, logo, Tharn.
Temos os dois personagens principais e nada mais pode ser dito sobre eles. Eles não têm nuances, são apenas personagens preto no branco. Não existem nuances neles. É apenas isso: um rapaz possessivo e um potencial estuprador que por mero descaso do roteiro se encontram. Após isso é só ladeira abaixo.
Primeiro: O relacionamento de ambos não convence. Não existe desenvolvimento e não se propõe a ter. Simplesmente é escarrado na cara do telespectador para servir de fanservice. Se existiu tentativa de desenvolver tal relação ela se perdeu em meio ao fanservice. Em uma bela noite simplesmente ocorre de Type ficar doente, Tharn que outrora abusa de seu homólogo cuida dele. Um gesto simples. Ele presta socorro ao necessitado. Mesmo esse necessitado sendo um homofóbico que o odeia. Depois disso como se Type tivesse uma epifania ao descobrir que seu colega de quarto gay cuidou dele, que ele odeia por ser gay e apenas isso, decide, por mera circunstância duvidosa e completamente grotesca ter um relacionamento sexual com a pessoa que odeia como forma de agradecimento. Para agradecer seu potencial cuidador ele declara que como forma de pagamento realizaria sexo com seu parceiro de quarto. Aqui acaba todo desenvolvimento anterior. Simplesmente as características primárias do personagens se adaptam de forma horrenda para servir de plot twist e gerar através da problemática principal o relacionamento mais intolerante que tive o desprazer de presenciar.
Segundo: O complexo de Tar. O personagem que surge em tela tem traumas pesados e seu tema é abordado de forma sensível no início para depois perder sua importância e servir de palco para a justificativa possessivo de Type para com Tharn. Não é relevante falar sobre ele, é apenas um plot device, um personagem que só existe para servir de trampolim na relação Tharn x Type e que não agrega qualidade ao roteiro. Ele é uma peça descartável, mas para não ser tão frio com o personagem ele serve para nos fazer sentir pena — no meu caso, pena do péssimo uso que ele teve — e com isso criar uma narrativa condescendente com suas ações. Ele sofre um estupro coletivo que é abordado apenas para criar um bode expiatório que serve para solucionar o problema seguinte: Lhong.
Terceiro: Lhong é o antagonista. Para ser sincero é o personagem mais execrável da obra por natureza. Surge para ser a oposição da relação tóxica dos protagonistas e ao mesmo tempo para ser sua solução. Ele é a chave do problema. O amor platônico que antagoniza objetivamente o amor platônico descrito por Platão em seu livro “O Banquete”. O amor de Lhong é o amor impuro, material, sujo, doente por essência, corrompido, nasce de tudo que é ruim em uma relação e serve de contraste para corrigir o amor desprezível de Tharn e Type.
Por isso é a chave: ele é usado para trancar a porta dos problemas de confiança e da priori do relacionamento daqueles que é antagonista. Como criticar a possessividade de Type e a condescendência de Tharn, quando temos Lhong que não apenas afetou a vida diretamente do seu objeto de apreciação (Tharn) como fez um garoto menor de idade sofrer um estupro coletivo? Existe amor mais vil e doente que este? Não preciso dizer mais nada. Apenas reitero que ele não sofre represálias por seus crimes e tudo passa a ser indiretamente um problema de autoestima de quem não foi amado pelo objeto de apreciação e nem pelos pais. Essa solução é porca e completamente desprezível para ser usada.
Quarto: O tema mais bem descrito e mais bem desenvolvido, mesmo que não tenha tido destaque ou tenha tido um melhor tempo em tela, é a relação dos irmãos Tum e Tar, em que Tum, irmão mais velho de Tar mantém secretamente um tipo de paixão romântica pelo seu irmão. As abordagens são bem sensíveis e mesmo que não tenha sido tratada de forma explícita — não existem abordagens que a tornem como tal — ela é palatável, e talvez seja o único ponto de qualidade na série. Deixando de lado qualquer crítica pessoal a relações com conotação incestuosa.
No final, ela abdica de todas seus próprios dilemas e problemas. A série deixa todas as feridas que criou aberta: estupro de Type na infância. Abuso de Tharn à Type. Estupro coletivo de Tar. Problemas mentais de Lhong por seu amor doente por Tharn. A possessividade romantizada de Type. O ciúmes dele que são injustificáveis não agrega valor ao roteiro ou ajuda a desenvolver a relação romântica de ambos. Em diversos momentos Type faz chantagem emocional com Tharn para obter prazer e satisfação em sua posse sobre afirmação de que o objeto em questão é seu objeto de apreciação e somente seu. Tharn que em diversas ocasiões assume papel de abusador em potencial. Tudo isso é trazido de forma relevante não para ser discutido e ser objetivo, mas, infelizmente, para ser um aparato maquiavélico de criar um fanservice e romantizar e naturalizar uma relação que nasce tóxica e se desenvolve sendo tóxica. Para TharnType eu reservo o meu completo arrependimento de ter me forçado a assistir para que tivesse o mínimo de propriedade para discutir sobre ela.
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The Shipper é engraçado, mas falha em ser aprazível.
Assim que o trailer saiu eu já imaginava qual seria o desenrolar da trama. A questão da troca de corpo e as relações que nela implicam com personagens opostos que se vêem em pontos de vistas diferentes com objetivos diferentes e que no final, não levaria a lugar algum. Isto é, não só o compromisso que a obra se propõe a realizar: conduzir uma relação "bromance" entre os personagens que seriam tecnicamente os trilhos que conduziriam a trama, com Pan como motor do enredo que serviria como combustível para levar essa relação a um outro patamar. Porém, infelizmente, a trama deixa de ser o que era para se tornar uma repetição de eventos constantes que circulam e circulam e no final, como um grande problema sem solução, despeja um drama risível e que não convence.A trama parecia promissora, não inovadora, mas tinha potencial. Tanto Pan como Soda quando são apresentadas indicava que a trama de duas fujoshis que escreviam fics yaoi sobre Kim e Way seria algo ao mesmo tempo cômico como levantaria questões relevantes na relação KimxWay. Mesmo que isto não fique aparente até certo ponto. No entanto, para além da imaginação fértil das garotas com suas fics e descrições da relação de KimxWay, o maior problema que teima a persistir em todo o show - e que em momento algum tenta ser resolvido - é a incapacidade de trabalhar seus personagens. Não apenas por mudar constantemente o foco (exemplo: Pan x Way / Pan x Khet / KimPan × Way / Way x Kim / Soda x Kim) e tudo isso não acopla nada na trama, apenas a prolonga e a torna cansativa e repetitiva.
No momento em que a troca de corpos se torna algo unilateral, e Kim desaparece da trama para Pan assumir seu lugar, tudo começa a perder o foco. Não só a história não satisfaz ou explica o porquê disto ter ocorrido de forma que seja crível, já que no momento em que ocorre o acidente e no momento em que Pan assume o corpo de Kim e passa a viver como ele, Kim é abandonado e não existe nada que corrobora com sua morte, nem mesmo é levantado essa questão até o momento em que milagrosamente Yommatuth tem uma epifania ao relatar que a alma de Kim se perdeu e que ele estava de fato morto - sequer parece ter algum sentido isso - parecia ser um grande e dramático plot twist. Se não fosse pelo abuso de artifícios de roteiro usado de forma inconveniente, inverossímil e que conduz à plot hole por todo o roteiro. Não existia nenhuma indicativa, nem mesmo foi feito uso de foreshadowing para poder criar e pavimentar o palco para esse desenrolar. O show simplesmente decide que optar por usar de um plot twist tão drástico - já que ele alimenta esperanças de que Way e Kim vão se encontrar - seria algo chocante. Não, não é chocante é absolutamente inconveniente e desagradável, tanto por ser um furo no roteiro, como por não acrescentar nenhuma resolução ao problema: como o proprio anjo da morte não sabia e depois soube para depois dizer que sabia e que não apenas não tinha solução para fazer Pan voltar ao seu corpo como no final apresenta a solução de forma tão comovente? É claro que o clichê do "beijo do amor verdadeiro" era a solução desde o princípio, o uso do deus ex machina é a conclusão mais comum para tais problemas. Porém, o principal problema não é o clichê é seu uso na trama.
A obra gasta doze episódios para andar em circulos e concluir de forma pouco agradável as nuances que criou. Ou seja ela fica em: Pan assumir o corpo de Kim, se aproximar de Way, tentar fazer seu shipper ser real, mantém isso, aparece problemas, ela descobre que Kim não era "santo", se envolve nos problemas da vida dele, não soluciona problemas, gera problemas, troca de corpo, volta pro corpo do Kim, Way se descobre apaixonado por Kim, e tudo isso ainda na idéia de que Kim estava apenas adormecido e que uma hora iria acordar. Alimentar a idéia de que em algum momento ele despertaria.
Khett é a única coisa que não falha, como o personagem é objetivo ele tem seus próprios interesses e os mantêm até o final. Objetivamente falando é o único personagem da obra que têm um desenvolvimento bastante aprazível. Ao menos não é decepcionante. Já que ao realizar um plot twist tão "chocante" em que Kim está morto, Way que revela seu amor ao melhor amigo no final, com a revelação de Pan sobre a morte do garoto tragicamente fica só - mas ao menos tem a revelação "mágica" de Kim por alguns instantes para deixar o espectador ainda mais "comovido" com a situação caótica que o garoto se encontra - descobre que seu amor por seu homólogo é recíproco. Apesar dos pesares, isto parece como uma resolução, já que Kim está de fato morto, ao menos temos uma resposta evidente dele.
Com isso, a trama que surge como uma troca de corpos - exclusiva de Pan - para Kim criou o palco para Way descobrir seus verdadeiros sentimentos pelo melhor amigo, para a própria Pan descobrir que Khett a amava - e ela possivelmente ter o mesmo sentimento resguardado -, e com isso, terminar a trama fechando todos os componentes, mas deixando um gosto amargo pela forma como os realizou.
No geral, a obra me fez rir, mesmo contendo erros objetivos na trama ela consegue "cumprir" o que se propôs a realizar, mesmo que não de forma verossímil e agradável, criando uma trama repetitiva com uso constante de soluções deus ex machina que tornam a obra um clichê subjetivamente assistível, mas objetivamente desagradável e também esquecível na mesma medida.
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